domingo, fevereiro 07, 2016

MALDADE HUMANA, É MESMO ÁGUA QUE NUNCA BEBEREI?

Psicologia - Frase da semana, 07FEV16: MALDADE HUMANA, É MESMO ÁGUA QUE NUNCA BEBEREI? (1)


«Só há uma coisa de que tenho a certeza - ninguém se conhece a si-próprio.» (Toivi Blatt, sobrevivente de Sobibór)

Sobibór não era um "simples" campo de concentração nazi, durante a Segunda Guerra Mundial; era mesmo um campo de extermínio - objectivo: matar.
«Talvez, e acima de tudo, Auschwitz e a Solução Final nazi demonstrem o poder das circunstâncias para influenciar comportamentos que atingem extremos inimagináveis. Trata-se de um ponto de vista confirmado por um dos sobreviventes mais firmes e corajosos dos campos da morte, Toivi Blatt, que foi forçado pelos nazis a trabalhar em Sobibór e depois arriscou a vida ao fugir. (...) "Como é que são capazes de fazer uma coisa destas?", perguntou uma mulher polaca de meia-idade num tom autoritário enquanto Toivi Blatt lhe cortava o cabelo. "Eles também vão acabar por te matar. A tua hora há-de chegar!" Ele não lhe deu resposta, mas ainda se lembra das palavras dela "como se fossem uma maldição". (...) "[Eu tinha] quinze anos e havia pessoas com experiência de adultos em meu redor que não faziam nada para contrariar essa situação. As pessoas perguntavam-me: 'O que aprendeste?', e penso que só há uma coisa de que tenho a certeza - ninguém se conhece a si próprio. Encontramos uma pessoa simpática na rua, a quem perguntamos: 'Onde fica a Rua do Norte?; e essa pessoa é capaz de nos acompanhar ao longo de um quarteirão e indica-nos a rua, sempre simpática e amável. Mas essa mesma pessoa, numa situação ou circunstância diferente, pode ser o pior dos sádicos. Ninguém se conhece a si próprio. Todos nós podemos ser boas ou más pessoas, nestas (diferentes) situações. Por vezes, quando alguém é simpático, doy comigo a pensar: 'Como é que ele seria em Sobibór?'"» (in Auschwitz, Os Nazis e a Solução Final, Laurence Rees, CL, 2005, pp. 278-9)
Em 1983, Toivi Blatt conversou com Karl Frenzen, comandante alemão do campo de extermínio de Sobibór. Karl Frezen era um cristão alemão; na altura da conversa, estava com 72 anos; e Blatt com 43 - 29 anos de diferença. "Eu tinha 15 anos. Sobrevivi porque você determinou que fosse eu quem lhe engraxasse os sapatos. Além de mim, mais ninguém sobreviveu - nem o meu pai, nem a minha mãe, nem o meu irmão, nem nenhum dos dois mil judeus da minha terra, Izbica." Karl Frenzen pediu que esta conversa acontecesse porque sentia muito premente a necessidade de pedir perdão olhos nos olhos.
"Mas o senhor não fez nada para que o que se passou não acontecesse. O senhor tomou parte nisso." 
No que conheço da entrevista, Toivi Blatt não perdoou a Karl Frenzen, um cristão. Na verdade, não se trata de perdoar ou não perdoar. Trata-se de um gigantesca acção de maldade humana, incomensurável, em que sempre, a todo o momento, qualquer um de nós pode ser parte activa e empenhada. Trata-se de conter a Besta - que há dentro de nós e à nossa volta.
Na conversa entre o carrasco e a vítima, quando a vítima confronta o carrasco, olhos nos olhos, o carrasco justifica-se:
"You don’t know what went on inside of us." (Você não sabe o que a gente sentia dentro de nós)
Um pouco mais à frente, Blatt quis que Frenzen lhe dissesse o que lhe penguntavam os filhos, o que é que ele dizia aos filhos.
" When my children and friends ask me whether it is true, I tell them yes it is true. And when they say, but this is impossible, then I tell them again, it is really true. It is wrong to say it never happened. (Quando os meus filhos e os meus amigos me perguntam se é verdade, eu digo-lhes que, sim, que é verdade. E quando eles dizem que isso é impossível, eu digo-lhes outra vez que não. É errado dizer que isso nunca aconteceu)
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(1) "Nunca digas: - Desta água não beberei." Provérbio popular que quer dizer que  não devemos julgar-nos livres de fazer aquilo que condenamos ou criticamos nos outros.

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