segunda-feira, julho 18, 2011

Educar é despertar ou redespertar os sentimentos?... Uma pequena acha para a fogueira.

O artigo do dr. Daniel Sampaio no Pública 17.07.11, publicado ontem pelo jornal Público é um exemplo para todos nós. Neste caso é um exemplo de que não devemos deixar ficar as nossa ideias presas, fixas, e devemos deixar que elas evoluam, se transformem, é claro, desejadamente para melhor.
Ora isso tem uma consequência fundamental, que todos os anos eu repito a novas vagas de alunos de Psicologia: "Não acreditem em tudo o que eu digo, muitas vezes navegaremos de verdade provisória e conveniente em verdade provisória e conveniente. Mantenham sempre a tal 'dúvida metódica' de que os filósofos falam, mesmo perante o psicólogo mais pintado ou mais competente que tenham pela frente."
Li com muito cuidado todo o artigo do dr. Daniel Sampaio. No início do terceiro parágrafo, numa frase que a revista destaca para o lado, ele afirma: "Na infância, a educação para os valores começa pelo despertar da criança para sentimentos que a aproximem do outro (...)"
Bem, penso que o mais aproximado que eu conseguiria escrever desta frase seria escrever tudo, tudo, tudo, menos "despertar". Nesta aproximação escreveria "redespertar".
Estarei, com certeza, influenciado pela quantidade circunstancialmente elevada de bebés que tenho observado nos últimos dois anos; felizmente todos sãos, com muito amor dos pais e dos avós. O que continua a espantar-me, o que continua a deliciar-me com toda a intensidade do mundo é a espontaneidade do comportamento dos bebés no contactos com os seus cuidadores habituais e as suas visitas ocasionais (claro que aqui se tem de levar em conta aquelas coisas de que o dr. Daniel Sampaio fala sobre os 8 meses e os 10 meses, mas eu permito-me pôr agora de lado estas situações, bem verdadeiras). Tão pouco que a gente precisa de fazer para que seja evidente no bebé a expressão espontânea, "instintiva" e "consciente", da alegria, do prazer, do bebé no contacto humano!... Do prazer de dar e partilhar, por iniciativa do próprio bebé!
Não nos vai mostrar a vida, ao longo de todas as suas etapas, que a experiência humana mais dolorosa é a da separação?
Claro que a solidariedade, a compaixão e a indignação perante a injustiça deverão passar pelo molde, ou malha, ou esfera, da educação. Quanto a isto, estou absolutamente de acordo. Os mesmos bebés que dão e partilham reagem, também naturalmente, instintivamente, com ciúmes, aqui e ali, de outro bebé. Ora é aqui que deve começar logo a surgir a sabedoria da educação! E há muito aqui que, na verdade, nós, os especialistas podemos ajudar a esclarecer e a orientar os pais e os outros educadores.
Dizer que é preciso despertar o que, se calhar, será mais correto, no meu entender,  redespertar, é pôr o dedo noutra ferida; e é pôr a disposição pessoal do educador noutra perspetiva.
A ferida é a organização social atual, que põe as crianças cada vez mais cedo afastadas dos pais e dos avós durante cada vez maiores porções de cada dia.
A disposição pessoal é que, na educação, não temos de trazer nada à criança que ela não conheça ou que não tenha experimentado já. Temos é tentar que a criança não perca o que tão facilmente sente e se agrada com isso; temos é de ajudá-la a reforçar e a consolidar o que sente; para isso temos de tomar claramente consciência das razões e dos momentos em que se provoca a perda de sentimentos e motivações tão básicos, tão naturais.
Dr. Daniel Sampaio, não acha que dizer que é preciso "começar por despertar a criança para sentimentos (...)" revela resquícios da velha ideia da criança tabula rasa?

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