sábado, julho 03, 2010

Maior violência radica no fanatismo

Jane Goodall esteve ontem em Lisboa para uma conferência sobre conservação e bem-estar animal. Ao DN falou das suas novas pesquisas sobre chimpanzés e do papel da juventude para mudar o mundo.
http://dn.sapo.pt/2006/06/01/sociedade/maior_violencia_radica_fanatismo.html

Disse que há novidades na pesquisa sobre chimpanzés. O que está o seu instituto a fazer nessa área?
Há uma nova abordagem que passa por recolher amostras de fezes que permitem traçar o perfil genético dos animais. Conseguimos agora saber qual é o pai de uma determinada cria ou juvenil, o que abre um caminho totalmente novo para o estudo das relações entre um macho e os filhos. Pela primeira vez podemos estudar isso. Como sabe um macho que aquela cria é o filho? Não sabemos ainda sequer se o reconhece como tal.
O que se sabe já sobre essa relação pai-filho nos chimpanzés?
Todos os machos da comunidade agem de forma paternal para com todos as crias, quer sejam deles ou não. Um macho protege uma cria em apuros e as fronteiras da sua comunidade. Isto diz-nos que há nos chimpanzés laços duradouros de afecto entre membros de uma família que podem durar toda a vida. Ainda estamos a aprender coisas novas.
Da espécie humana diz que o cérebro é capaz de coisas maravilhosas, mas também de outras terríveis. Qual será o balanço final, na sua opinião?
Depende de nós e da próxima geração. Mas penso que houve um corte entre o nosso cérebro extremamente inteligente e o coração, ou seja, a compaixão e o amor. Essa rotura faz do ser humano uma criatura perigosa.
Mas o ser humano não terá sido sempre assim?
Não. Se olhar para as comunidades indígenas, verifica que todas as decisões importantes requerem a opinião de um conselho de ancião, que toma em consideração a forma como as decisões afectarão as gerações futuras. Hoje, no nosso mundo, as decisões são tomadas em função da forma como os accionistas vão ser afectados nos próximos três meses. É em função da ganância que se tomam as decisões. Vivemos num mundo absolutamente materialista. Um exemplo: sabemos o que o consumo de combustíveis fósseis está a fazer ao clima do nosso planeta, sabemos da poluição e da chuva ácida e dos seus efeitos na saúde. Os donos das companhias de petróleo amam os netos, como toda gente, então o que se passa? Porque não pensam no seu futuro? É desse corte que falo.
Devemos culpar o capitalismo?
Sim. Isto está acontecer desde a II Guerra Mundial, porque nos tornámos escravos da cultura materialista. O capitalismo até talvez pudesse funcionar bem, não estará nele necessariamente o problema. A questão é que o enfoque é exclusivamente materialista e individualista. Não há dimensão espiritual. Não faz sentido.
Como se pode contrariar isso?
Através do Roots and Shoots [projecto para a juventude iniciado em 1991 por Jane Goodall]. Acreditamos na mudança de atitudes. Temos que mudar a filosofia segundo a qual, para mudar o rumo num país é preciso bombardeá-lo. Temos que mudar a atitude com os animais, que são criados em espaços diminutos para se tornarem comida barata. É preciso compreender que têm sentimentos como nós. No Roots and Shoots não queremos mudar atitudes através da violência, mas com o conhecimento, amor e compaixão. Isto exige muito trabalho e persistência. Estamos a tentar quebrar as barreiras entre pessoas de diferentes culturas, religiões e países.
A religião é assim tão importante?
A religião é hoje responsável por grandes violências. Os fanáticos islamistas, cristãos e judeus são responsáveis pela maior parte dessa violência. Precisamos de quebrar as barreiras erigidas pelos fanáticos. Temos que criar uma massa crítica entre a juventude, da qual sairão as futuras gerações de líderes, que acredite que vida não passa só por fazer dinheiro.
Olhando o mundo, acha que isso vai ser possível?
Vai. Cada vez mais jovens são sensíveis a esta mensagem. Se, por exemplo, não comprarmos produtos que são nocivos para o ambiente, eles já não serão produzidos, ou passarão a ser produzidos de outra maneira.
Falou com jovens aqui em Lisboa?
Falei com estudantes, que, como eu, têm a paixão de fazer qualquer coisa por esta mudança.

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