quinta-feira, abril 10, 2008

Boas intenções e mudanças de comportamento verdadeiras

Consegui um bom exemplo para dar aos meus alunos sobre o que é a mudança de atitudes. E também para mostrar aos colegas de escola e aos decisores do Ministério da Educação que agora andam constantemente em busca de "evidências de aprendizagem", que certifiquem o bom sucesso dos projectos que têm financiamentos especiais.
Passo já a contar. Aconteceu na terça-feira passada, quer dizer, na véspera do início do Colóquio dos Olivais, e já digo porque é que faço esta referência ao Colóquio.
Foi a seguir ao almoço. Saí de casa para ir à Baixa, à procura de livros. Desci ao Metro, ali mesmo à porta de casa, com o habitual livro na mão, que sempre trago comigo quando me desloco nesta modalidade de transporte.
Assim que entro na carruagem, a minha atenção prende-se com uma ocorrência que se passava lá dentro. Sobre a minha esquerda ficavam, virados um para o outro, imediatamente a seguir às portas de um e outro lado, até ao cotovelo rotativo da carruagem longa, bancos de três lugares. No banco que eu via à minha frente, repito, olhando ligeiramente para a esquerda, estavam três rapazes, na casa dos 16 – 18 anos de idade.
O rapaz que estava sentado mais afastado de mim, ou seja, o que estava mais chegado ao cotovelo rotativo, tinha a cabeça deitada sobre o ombro do seu colega, o qual, por sua vez, perdia a face direita por entre os cabelos do outro rapaz. Repito, teriam entre 16 a 18 anos. Estavam calados. Num relance, olhei as outras pessoas ali ao pé. À frente deles, de pé, segurando-se apropriadamente, estava outro rapaz, que olhava vagamente ao fundo. E em oposição aos rapazes que estavam sentados, portanto, vendo os rapazes da mesma maneira que eu os via, sentadas também, estavam três raparigas. Andariam seguramente pelas mesmas idades dos rapazes. O silêncio delas era igual ao deles. Parecia que cada um dos jovens se entregava inteiramente aos seus pensamentos, numa breve pausa do relacionamento que certamente os ligava uns aos outros. Nada no seu aspecto indiciava qualquer particularidade, passariam perfeitamente por alunos da minha escola. Olhei outra vez os rapazes que se aconchegavam daquela maneira e não pude evitar um pensamento sobre eles.
Que poderia pensar qualquer pessoa que visse assim os rapazes?...
"São italianos", foi a primeira coisa que pensei, automaticamente.
Guardei o livro que me preparava para abrir e deixei-me ficar à espera que algum daqueles jovens falasse. Não tive de esperar muito tempo. E todos falaram em italiano, os rapazes e as raparigas!
Olhei outra vez para todos eles, para as caras, os cabelos, a cor da pele, os adereços; a maneira como vinham vestidos, e as coisas que levavam nas mãos. Nada, mesmo nada, os distinguia dos alunos da minha escola!
Quando me dei conta, estava contente comigo, com a minha reacção espontânea. É que depois de ter classificado os rapazes da maneira como logo fiz, enquanto nenhum deles falou, eu pus outras hipóteses, de certeza muito mais parecidas com as que, por exemplo, a generalidade dos alunos da minha escola teria pensado. Mas que a reacção espontânea foi pensar que eram italianos, disso não há dúvida nenhuma! E é sobretudo isso que é a razão do meu contentamento. Não foi um pensamento esforçado, a vencer estereótipos e preconceitos. Foi um pensamento "sem pensar", automático, reflexo.
E bendisse o PLURALIA e os intercâmbios escolares que me têm levado "lá fora", como o Padre António Vieira, já no seu tempo, recomendava que todo o português fizesse. Ora aqui está porque é que usei lá atrás o Colóquio dos Olivais como referência temporal para este episódio de vida. É que seria precisamente sobre o PLURALIA e o Padre António Vieira que iria falar no dia seguinte, no Colóquio dos Olivais, na Escola Secundária Eça de Queirós, como de facto veio a acontecer.
Ainda recentemente – mais concretamente, há cerca de dois meses – eu estive em Sciacca, na Sicília, em Itália, precisamente no primeiro encontro de intercâmbio do PLURALIA (projecto internacional que reúne escolas de diferentes países da União Europeia para tratar da educação intercultural) que reuniu, não só os professores, mas também os alunos, e discuti com o Onivaldo (colega professor), o Paulo e o Alexandru (os dois alunos representantes da escola portuguesa; o Alexandru é romeno), perante o que íamos observando na escola anfitriã e nas ruas das povoações que visitámos, até mais do que uma vez, a forma como os rapazes italianos se relacionam uns com os outros, com contacto físico, com toques corporais muito mais desinibidos do que estamos habituados a ver em Portugal. Entre nós, entre os jovens rapazes, uns com os outros, o toque corporal é quase tabu, excepto nas manifestações de júbilo pelos golos das equipas de futebol de que são adeptos.
Portanto, caros alunos, o que aconteceu comigo é uma verdadeira mudança de atitude. Caros colegas, senhores avaliadores em busca de evidências de aprendizagem, este é um excelente exemplo de aprendizagem, fruto do trabalho realizado no âmbito do projecto de intercâmbio intercultural que teve um financiamento especial. Concordam comigo, não concordam?...

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